domingo, 10 de abril de 2011

O Devaneio da Metamorfose

Certamente tratava-se de um sonho, quantas vezes o início era assim, acreditava em tudo até certo ponto, quando percebia nos detalhes que estava sonhando. Os sonhos por mais reais que pareçam são sempre cheios de falhas e por essas falhas não e possível se enganar. Era um sonho e isso era tranquilizante, não havia pressa em despertar, poderia aproveitar a lucidez para desenvolver todo meu potencial criativo, remodelar, criar novas paisagens, encontrar pessoas queridas. Mas não, ainda não fora possível detectar a falha.

Voltei então ao começo, ao átimo que separa a perfeita organização e o caos, como o segundo após o terremoto. Ela desgrenhada, não era a imagem mais bonita, mesmo assim, fora o primeiro movimento da placa tectônica, ela sorrindo na mesa do café com os lábios ruborizados pela temperatura, era o segundo depois do caos.

Toda minha história, aquela construída antes dela, ganhava novo personagem. ELA. Não me era mais possível imaginar a paisagem antes dela, a paisagem sem ela. Ela fora ocupando as páginas pretéritas, minuto por minuto, ela aparecia dentro da barriga da minha mãe, atenta a primeira batida do meu minúsculo coração, depois na hora da grandiosa luz, no primeiro sorriso desdentado que eu dei, no primeiro dente, nos meus primeiros passos, conquanto não tivesse memória para tanto, ela sempre ali, a partir daquele instante, dentro do antes e do depois.

Onde a falha?

Talvez não fosse um sonho, fosse um pesadelo, pois o pesadelo é mais difícil de identificar e de sair. Contudo, também para os sonhos ruins existem lá suas técnicas. A voz muda, os passos que não saem do lugar, a angústia. Calma!!! Tenta-se, tenta-se até que se acorda.
Lembrei-me olhando bem de perto, a luz cortando lateralmente o seu cristalino, de modo que era possível perceber a vibração que a intensidade luminosa produzia na misteriosa pupila, observar as crateras de lua, na lua amendoada dos seus olhos.

Onde a falha, onde a mudez de pesadelo?

“[...]Deixa que levo comigo
Nosso conto,
Nosso encontro,
A história feliz que iríamos viver [...]”

A vontade era que fosse para sempre, contudo a realidade é bem outra, por isso fui covarde. Preferível ter para sempre o sonho que a verdade esmagadora. Fugi.
Então o tempo passara arrastado por aqueles anos que pareciam sem fim, porém agora quão rápido o tempo. O beijo amarelecera na minha mente, o único beijo, como uma foto que desbotara há muito. Fora mesmo verdade, o nosso beijo, ou puro potencial criativo? Como saber a mentira dita mil vezes.

“[...] Deixa que levo comigo
As mil formas
Futuro-pretéritas de te amar [...]”

A nossa história fora assim, uma elaboração de teorias, um eterno convencer-me de que era melhor que os fatos se encadeassem daquela maneira. Todos os dias arrancá-la um pouquinho, pedaço a pedaço, nada de telefonemas, nada de encontros, até que perdesse no tempo aquela ânsia de vê-la. Todavia, no fundo da minh'alma as imagens todas, o beijo, os olhos, as unhas mal pintadas, o cabelo desgrenhado, o sorriso ruborizado pelos vapores do café, tudo fresco, qual manhã recém iluminada do derradeiro dia de inverno, sonho que se dilata além da noite.
A teoria não estava errada, não faria nada diferente, porque sorver é também exaurir e não fosse a teoria sabe-se lá se ela continuaria por aquele tempo infinito que era agora.
Ela agora, aqueles olhos, aquelas mãos e aquelas unhas bem pintadas, segurando a minha mão. Talvez acabasse de encontrar a falha, as unhas dela nunca estavam bem pintadas, aquela boca, nunca a vira sem sorrir. Era um sonho, certamente era um sonho, eu começava a me sentir aliviada, tanto que a abracei, abracei o abraço que sempre toli, disso tudo que calei, o quanto quis amá-la, como a amei, porém ela não esboçou nenhuma reação, não disse nada, não me abraçou de volta, apenas continuou chorando, molhando aqueles lindos olhos de amendoeiras e eu não esperando tamanha emoção.

Ela segurava fortemente as minhas mãos, as minhas mãos frias e imobilizadas, acariciava a palidez do meu rosto sem expressão e mais pálido que o habitual.
Eu não estava sonhando, tão pouco num pesadelo, não obstante ela não sentir o meu abraço nem ouvir nada do que eu havia dito.

Eu não estava dormindo... alguém me tocava o ombro me alertando de que era chegado o momento de partir.

Um comentário:

  1. Este texto foi como um tapa na face, porque independente de a morte ter sido tratada de maneira figurada ou não, afetou-me verdadeiramente.
    De certa forma sempre me escondi por detrás do meu sorriso para não mostrar minha dificuldade de externar meus sentimentos. Por isso sempre fui melhor ouvinte...
    Sempre fui muito contida e deixei de falar muito do que sempre senti e tenho certeza que perdi muitas oportunidades.
    Este texto nos remete a sermos mais corajosos. É muito melhor levar um "Não" do que ficar imaginando o "Se"... "E SE eu tivesse falado, feito, pedido, beijado...amado..." Até porque você passa a basear suas decisões subsequentes em fato concreto, não em conjecturas...
    "This is it"!

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